Existe um pássaro que acha que morre sempre que o sol se põe.
De manhã, ao acordar, ele fica chocado de ainda estar vivo, então, canta uma canção linda.
Eu canto toda manhã desde que te conheci.
Annabel para Enoch
Não sei bem a impressão dos demais expectadores do filme naquela segunda-feira de carnaval. O silêncio na descida dos degraus foi unânime e perturbador. Por um instante, pairou reconhecido em cada um, na penumbra daquela grande sala-caixa-útero de concreto, carpete e frio ar-condicionado o desejo perene do eterno retorno para "casa" como nos versos da beatle canção:
We're on our way home
O que doze pessoas procuram numa sala de cinema em plena segunda-feira de carnaval? O que elas procuram eu não saberei dizer em uma única sessão, mas o que elas procuraram e encontraram foi o título sugestivo, palavra-chave: Inquietos, a recente produção de Gus Van Sant.
Na história, somos apresentados aos jovens Enoch e Annabel.
Ele carrega em si o trauma da perda dos pais em um acidente de carro em que segundo conta, permaneceu três meses em coma e viu o que a morte reserva do lado de lá. Mora com uma tia que lhe amparou desde então e tem um amigo fantasma, imaginário ou não porque o filme preserva a sutileza do mistério.
Ela, uma garota estudiosa e fã de Darwin, das leis biológicas, de aves e de insetos. Com câncer, ela percorrerá seus últimos meses de vida entre sensações, percepções e vivências extraordinárias.
Em comum, ambos freqüentam aleatoriamente velórios e memoriais de pessoas desconhecida até o dia em que se encontram e se permitem em trocas reais e simbólicas de afetos.
Quase sonho. É onírico quando o inconsciente parece se reproduzir inteiramente do lado de cá, pela via da amizade fantasma de Enoch com o kamikaze, pelas fantasias da festa de halloween, pelas cores, texturas, ângulos e dispersões.
Traz a perfeita dosagem entre o humor leve e o drama tocante, a ingenuidade e ao mesmo tempo a ousadia do adolescente enlutado pela criança que foi um dia, do medo de existir e de viver mais pungente que o medo da morte e do morrer, e tantas outras belas alternâncias das instâncias do sentir humano, tão bem justificadas no título do filme: INQUIETOS
É metalingüístico quando Annabel ensaia sua própria cena de morte em riqueza de falas e de detalhes. É poético na abertura musical com “two of us” dos Beatles, no desfecho com a linda “The fairest of the seasons” e tocante no soar das melodias instrumentais diluídas durante o filme.
É “tanático” todo ele quando aborda de maneira cativante os assuntos inerentes às perdas, à morte, ao luto e de como, na grande maioria das vezes, nos abstemos de vivenciar a maior e mais lúcida de todas as nossas certezas e do valor que devemos dar a vida enquanto ela se fizer biologicamente presente. Da vida e da morte, tão reconhecíveis faces de uma mesma moeda.
Você pode fazer muitas coisas em três meses
Enoch para Annabel
Não sei bem a impressão dos demais expectadores do filme naquela segunda-feira de carnaval. O silêncio na descida dos degraus foi unânime e perturbador. Por um instante, pairou reconhecido em cada um, na penumbra daquela grande sala-caixa-útero de concreto, carpete e frio ar-condicionado o desejo perene do eterno retorno para "casa" como nos versos da beatle canção:
We're on our way home
We're going home
Nós estamos em nosso caminho para casa
Nós estamos indo para casa
Para ouvir enquanto lê:
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