A MÃE DO PAI
DA PSICANÁLISE
Eduque-o como quiser; de qualquer maneira há de educá-lo mal.
Freud e sua mãe Amalie
Nathanson Freud.
Amalie Freud faleceu em setembro de
1930 aos 95 anos,
poucos anos antes da morte de Freud em 1939.
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Bem-aventurada dona Amalie que pariu o “Sig de ouro”, jeito
maternal como ela tratava o menino Sigismund Schlomo Freud nascido em seis de maio de mil
oitocentos e cinquenta e seis e que mais tarde se tornaria o imortal Sigmund Freud.
Não me proponho a escrever aqui sobre as consequências da relação
maternal na casa dos Freud. Se houve excessos e se isso foi bom ou ruim, não é
meu itinerário analítico, nem por considerar o que o próprio Freud vivenciou de sua análise pessoal. Mas quero sim, ressaltar que o ouro reluziu e cá estamos
contemplando uma matéria nobre e que não perde o seu valor.
Correndo por fora, neste segundo domingo de maio, data consagrada
às mães e que tem sua gênese lá na era primaveril da mitologia grega, me veio à
cabeça um dos bordões dentre os tantos flutuantes nos diálogos psicanalíticos
contemporâneos. Dizer sempre ou quase sempre que a culpa
é da mãe parece ser algo tão óbvio e tão cômodo que dito assim, de
relance, açoita a índole intelectual dos inocentes. Lembro-me até de propaganda
de um Banco (que não citarei) em cuja cena, um suposto analisando procura o Dr.
Sigmund e ao abrir-lhe a porta, o próprio, encarnado e de pé da soleira da
porta diz secamente: “a culpa é da sua mãe”. Após risos de uma plateia
imaginária de fundo (talvez os que concordavam), um narrador dizia da
importância e da beleza das coisas serem assim, “diretas ao ponto”. Este texto
evoca ainda assunto pra outra postagem sobre os desprazeres da vida veloz na
geração fast food. Mas retomemos ao
complexo de culpa instaurado nas representações maternas.
Que culpa é essa? Espécie de herança maldita que passa de
mães para filhas que viram mães, que têm suas filhas e filhas e mães que ao longo
dos ciclos se renova? De onde vem esta sentença, condenação sem chance de
defesa.
A “brincadeira” advém de engessadas “leituras” do conteúdo
freudiano, pós-freudiano e é preciso muita subjetividade para refazer o
percurso. De início, é extremamente necessário desconstruir a ideia de negatividade
em torno do que é maternal. Por pior que tenha sido a relação afetiva ou mesmo
a falta da relação, a psicanálise aplicada pelo profissional de boa fé jamais dirá
a um analisando que a raiz de seu sofrimento é fruto desse fruto. Muito pelo
contrário, a psicanálise acolhe, por meio de interpretações e análises, cuidando
de reatualizar as versões da história a fim de que se possa ressignificar o
essencial dela, dissolvendo seus conteúdos fantasmáticos e oriundos de anos de
sofrimento reprimido inconsciente. Muito, mas muito erroneamente se pensa e se
afirma na mídia, na clínica, “ou numa casinha de sapê” que a psicanálise põe a culpa
de tudo nas mamães do mundo, quando em verdade o que ocorre – e o que a
psicanálise faz de melhor - é exatamente não julgar e muito menos não culpar ninguém
de algo ou de outro alguém.
O problema é quando um pensamento negativo como este, invade a expectativa de uma mãe, dos pais, caucionando a ideia de falência da estrutura familiar. Propositalmente transcrevi uma frase de Freud no início desta meditação para que pensemos na subjetividade dos tantos detalhes que constituem a dádiva da criação de um filho e não na coisa toda, por inteiro, indigesta. É reconfortante refletir que por mais que se pense e que se faça o melhor, este dito melhor pode não ser ou não ter sido o essencial.
Hoje assistimos a tantos pais e mães que “pagam” suas ausências físicas com incontáveis presentes de uma lista igualmente interminável simplesmente porque não tem fim, não se comp(a)ra aquilo que tentam eles na boa intenção de substituir o amor/alimento tão necessário nos primeiros e decisivos anos desse mirabolante psiquismo em constante estruturação e em que se poderá analisar futuramente, os pontos de desequilíbrio no desenvolvimento que se sobressaem por exemplo, através de uma fixação ou regressão. Ora, e mesmo com amor, o mundo lá fora irá provar como, na maioria dos casos, é preciso se lançar na áspera teia da vida.
A construção de um sujeito é algo extremamente complexo e
não depende única e exclusivamente da mãe. Daí uma valiosa contribuição de
Lacan sobre a figura do Pai na psicanálise, levando ainda em grande conta os
contextos específicos da presença de outros em redor da criança em formação,
outro exemplo pertinente.
“Nós poderíamos ser muito
melhores se não
quiséssemos ser tão bons”
Dedicando esta postagem à minha mãe,
não apenas pelo dia de hoje,
mas
por todos os dias do doce mistério da vida.
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