quarta-feira, 5 de outubro de 2011

REDIVÃ... onde sempre é útero

Você certamente conhece ou já ouviu falar de alguém que não tenha sido bem sucedido na cama. Calma, estamos falando do sentido literal da palavra pois para um bom punhado de gente, ter uma cama não significa conforto, descanso, uma boa noite de sono. São pessoas que não gostam da dita cuja e desde que se entendem por gente têm consigo o espírito do ancestral indígena para o uso da rede. O velho utensílio  apadrinhado e registrado por Pero Vaz de Caminha por se assemelhar a uma rede de pescar, se confunde com a própria história do Brasil, como nos relata Câmara Cascudo1.

Da sua metamorfose ao longo dos séculos, das varandas e bordados herança européia, da mudança do tecido, do uso de materiais diferenciados e hoje com ares de sofisticação ela até ostenta não sendo vista apenas como reflexo de pobreza, representando a ausência de uma cama.

Costumes, culturas, influências, necessidades à parte e muitas outras explicações conscientes podem atender ao questionamento do porquê da rede de dormir, mas o que estaria por trás deste discurso exatamente naquilo que não é dito porque (já) se revela psicanaliticamente?

Esta epifania me chegou pelo balanço da minha rede (de descanso) alaranjada brilhante. Cuidei logo e sobrevoei terrenos conhecidos a fim de que pudesse confirmar uma teoria e o pouco que encontrei foram “trocadilhos trocados” entre colegas que também estudam a psicanálise e de quando em certa ocasião desconstruímos o modelo importado de set analítico e em lugar do divã, fizemos uma releitura tropical e nordestina de uma sessão em que o analisando falasse de uma rede.

Esta seria rebatizada e para este fim, seria chamada apartir de então de “redivã”

UM CASO

Recorrendo a doutrina freudiana do inconsciente e do desejo, sim porque psicanálise é antes de tudo inconsciente e desejo. Revelei-me sabedor de uma belíssima perspectiva e para manter o já habitual rito do anonimato dos casos clínicos, traremos à baila o nome e o exemplo da família do Sr. Fred. Ele é o caçula com mais duas irmãs. Ressaltamos a singularidade aí contida por ter sido o último rebento daquela união e sendo homem ao que nos parece costumaz, uma certa alegria proclamada ante a chegada do varão (grosseiramente fálico). Conta-nos sua genitora que um fato teria sido preponderante na configuração da personalidade daquele menino que não quis nascer em sua hora, em seu tempo. Puxado, arrancado, tirado à ferro, como ela mesma sempre fez questão de dizer, ou melhor, justificar em determinadas ocasiões teve-o a muito custo num tortuoso parto fórceps.

Minha intervenção para a mirada psicanalítica se avulta exatamente daqui em diante. A tempestuosa inscrição do parto e sua forçada entrada no mundo e a interpretação de tantos eventos que vieram diretamente submetidos ao evento original lá no parto, partido à força nos confirma que hoje, tanto tempo depois, o Sr. Fred mesmo casado e velho, cumpre o mesmíssimo ritual de há décadas: como que desejando seguir o caminho inconsciente que lhe conduz ao sagrado útero materno. O ato, o diário enrolar e desenrolar do pano, o desfraldar da rede, o armar, o fixar da rede, e suspenso, isolado, encasulado que ele vai aquietar o corpo no sono dos justos e sonhar...
        
Hoje, vem da medicina a recente descoberta e aplicação do uso de minirredes junto às incubadoras onde, segundo eles, a redinha (as)segura ao bebê prematuro o conforto similar ao do útero materno viabilizando não apenas o bem estar dos primeiros dias de nascido mas garantindo um desenvolvimento harmonioso entre corpo e mente.

Comprovou-se que na maioria dos casos há um significativo ganho de peso/dia dos bebês assistidos em rede.  

Tudo isso me fez pensar que os povos aborígenes tinham razão. A velha razão de ser das coisas. A própria metáfora de estar suspenso a poucos centímetros do chão e mais que isto, numa garantida sensação de acolhimento e leveza proporcionado pelo “abraço” e “guarda” da rede, ressignificam seu aspecto extremamente maternal.

Vale comentar que já se encontra no mercado mobiliário um modelo de cama para aqueles que não abrem mão do espaço de mais de metro – e isto também tem sua veia psicanalítica – chamada de cama de balanço. Isto mesmo! Pesquisando, disponibilizo aqui para aqueles que ainda não conhecem ou por ventura desejem aventurar-se no curioso mundo da novidade, nem tão “nova  idade” assim... inspiração advinda também da infância perdida, do ninar na cadeirinha de balanço, do berço de balanço, do balanço do parquinho, é a tal felicidade:

O útero materno - isto foi redundância? - inconscientemente para reafirmar que - a primeira morada nossa está sempre a se fazer presente porque já é permanente em nós independendemente das sendas percorridas ou das sagas vividas tal ensejo simplesmente é, para o bem ou para o mal de cada um.









E como a psicanálise torna bela a existência humana.



Referências:
1CÂMARA CASCUDO, Luís da. Rede de dormir – uma pesquisa etnográfica. Rio de Janeiro, FUNARTE/INF, Achiamé; Natal, UFRN, 1983.