quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sobre Alice no país das maravilhas de Tim Burton

Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era,
mas acho que já mudei muitas vezes desde então.


Eis a recente adaptação (2010) de Tim Burton para o Clássico "Alice no Pais das Maravilhas". Dela Até então se tinha a animação clássica produção Disney, datada do ano de 1951 ambas repensadas a partir do clássico de Lewis Carroll, lembram?
Que país do século XXI e que maravilhas ele contem? Esta nova roupagem nos traz uma série de itens que conferem igualmente às outras, um arguto olhar psicanalítico. Comecemos pela novidade ligada aos recursos tecnológicos para o rol das animações, a definitiva incorporação do recurso 3D num filme repleto de efeitos visuais.
Aqui nos deparamos com uma Alice mais velha REtornando ao país das maravilhas, escapando de um mundo que outra vez lhe apresenta um cenário psicologicamente desfavorável. Ela continua desejando algo - o ser humano não cessa seus desejos - que o mundo consciente não lhe oferta gratuitamente ou lhe revela possibilidades as quais não consegue administrar, discernir, decidir.
Cai novamente no precipício. Mergulha profundamente nos subterfúgios do seu inconsciente a fim de encontrar suas respostas, de administrar seus desejos codificados como em sonho. E naquele país de sonho, de loucura o coelho continua apressado.
Nesta adaptação, Alice não tem tempo e precisa decidir o seu casamento, o seu laço/corrente conjugal. Já não é mais a garotinha e fazemos notar as formas do seu corpo de mulher em vestido decotado resultante da famosa cena do encolhimento:
Encolher como tentativa de regredir à infância e da negação a uma vida adulta de imposições reveladas nos preciosos detalhes da cena do vestido que irá configurar justamente este conflito interno da menina que se tornou mulher, das responsabilidades e compromissos em contraponto com a veste que “não lhe cabe”, no decote que remete simultaneamente à sensualidade e ao simbólico do pano azul, cor que sugere saudade, pureza, tranqüilidade e idealismo de uma infância-objeto perdido e de uma mulher em desamparo no presente:

"– Esta não é a Alice. Esta não é a Alice verdadeira". Retruca uma personagem “maravilhada”.
Do seu encontro com o Chapeleiro Maluco, flertes instantâneos por parte deste último, sobretudo em seu desfecho. Burton apresentou outra ousada e inesperada combinação amorosa, mas antes de disso, sutil. Alice agora fala de afetos amorosos e seu coração anseia pela resposta ante a decisão que logo mais será cobrada após o torpor, o sono e o sonho revelador. Há muito o que contar do instante dialógico entre Alice e o Chapeleiro nas cenas finais do filme. Uma quase declaração de amor extremamente filosofal, o corte decisivo.
Falando em cortar, cortar cabeças!
Não poderíamos encerrar esta brevíssima leitura do filme sem lançar um doce olhar à Rainha de Copas ou Rainha Vermelha, como queiram. E já a partir do tom vermelho, quente, explosivo, aliado ao simbólico coração podemos desde sempre confiar o no epicentro do seu perfil psicológico: As paixões. Os amores. Agimos mais pela razão ou pela emoção? Somos frios e frígidos ou exasperadamente impulsivos?
A rainha ordena, ninguém cumpre. Nunca se viu uma cabeça sequer rolando pelo chão daquele país, no entanto ela está sempre a repetir aflitivamente o famoso bordão "cortem-lhe a cabeça". Um apelo subliminarmente belo para o que poderia significar "cortem a razão, não pensem demais, não analisem demais. Sejam emoção e sentimento em estado bruto da essência!”, grifo meu.
Uma rainha verdadeiramente má?
A soberana Rainha além de eternizar seu já famoso verbo cortar, surge diante de nós com um aspecto físico que se opõe ao campo da emoção representado pelo alegórico coração. A cabeça como simbólico da razão é exageradamente desproporcional ao tamanho do corpo e é inclusive motivo de piada naquele país, onde especialmente sua irmã - a Rainha Branca - tece um jocoso comentário sobre tal anatomia.
É curioso notar que a rainha branca tem traços notadamente duvidosos quanto à sua saúde mental. Aparentemente normal não fosse uma maquiagem escura nos lábios e contorno dos olhos emoldurando uma face extremamente pálida assemelhando-se ao que a mídia nos mostra como sendo o estereótipo do demente, do apático, do “morto-vivo” sob efeito de antidepressivos. Seus trejeitos, sobretudo braços e mãos são um tanto coreografados endossam um ar blasé de "não-estou-no-mundo".
É maravilhoso não apenas o país, mas a reflexão em torno destas personagens. No caso da Rainha de Copas que em desabafo vive a mandar cortar cabeças alheias, tendo a sua própria exageradamente "inchada de problemas" no eterno e dual paradigma razão versus emoção, a principal configuração do dilema vivido pela nova Alice. Usar da emoção ou da razão perante a decisão do casamento promissor no campo da ascensão social, mas aniquilador no âmbito amoroso?
Para quem ainda não assistiu à nova versão d'Alice, não contarei o seu desfecho. Apenas que deste conflito, Alice tentará aniquilar sua angustia. Nós costumamos dizer em tempos difíceis que é necessário matar um leão por dia. No país das maravilhas ela tentará matar o (seu) dragão e mais que isso, a morte daquele dragão poderá simbolizar a morte de todo o temor, pois é o embate, o discurso franco numa estrada igualmente franca a novas possibilidades de caminhos.

“Aonde fica a saída?", perguntou Alice ao gato que ria.
”Depende”, respondeu o gato.
”De quê?”, replicou Alice;
”Depende de para onde você quer ir...”


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